Playlist #34 – Joana Gomes Posted in: Playlist
De 2 a 31 de Maio
Cadernos
2019
9’05”
São raras as vezes, mas existem dias em que tenho a sensação que o meu telemóvel sabe exactamente como é que eu me sinto. Talvez seja porque nunca deixo de o trazer comigo. De o encaixar por entre o braço e as costelas como se de um caderno se tratasse – de lhe admirar a memória. Ele é como um pequeno bem-precioso que é capaz de recordar todos os sítios por onde já passeamos juntos.
“Cadernos” é o primeiro vídeo-colagem montado a partir de um arquivo pessoal que tem vindo a aumentar desde 2016.
Areia. Não-areia
2016
17’20”
com José Costa
“Era um período em que não tínhamos muitos conceitos ao nosso dispor: indicar o que nós éramos, o que tínhamos em comum e de diferente, não era uma tarefa fácil.
Quando a luz trouxe as cores e Ayl fugiu com medo, Gfwfq tentou acalmá-la com imagens e conceitos, apontando coisas e não-coisas. Acalmou-a com gestos: “comecei a conversar, tudo em gestos. “Areia. Não-areia”, disse primeiro apontando para os arredores, depois para nós os dois. (…) “eu. Tu-não-eu”. Tentei explicar (…) “sim. Tu-como-eu, mas só um pouco”, corrigi-me.”
In Cosmicómicas, Italo Calvino, 1968
Neste excerto da história de Calvino, que deu o nome ao trabalho, encontramos um paralelismo com a dificuldade que sentíamos em traduzir ideias para palavras. Como verbalizar o gesto, o toque e o olhar e ao mesmo tempo sintonizar o pensamento de duas cabeças? O que fizemos foi partir à descoberta, procurar o maravilhamento do olhar que está para além da linguagem verbal. Percebemos que quando descobres coisas em conjunto as ideias alinham-se e pensas ao dobro da velocidade. Procuramos os objetos e dispositivos lúdicos de experiências científicas, mas depressa avançamos, queríamos redescobrir o que já conhecíamos, por isso criamos o nosso próprio aparato tecnológico, um que se ajustasse às imagens que tínhamos nas cabeças. Com duas lentes sobrepostas numa câmara de filmar, transformamo-la numa máquina de ver ao perto, mistura de lente macro e microscópio. Filmamos o que nos rodeava, o banal, pequenas construções e composições, movimentos, luz, cor e texturas. Observamos a realidade com uma nova atenção, a atenção de quatro olhos e duas cabeças. Quando decidimos projetar as filmagens que recolhemos, percebemos que elas precisavam de dialogar aos pares, por isso usamos duas projeções lado a lado do mesmo vídeo em tempos diferentes. Projetamos os vídeos num quarto escuro, com sons espaciais a confundir a percepção, e as imagens a tocar o limite entre chão e parede obrigavam as pessoas a baixar-se, sentar-se e envolver-se.
“’não-bonito?’perguntei”
“’bonito’, respondeu ela.”
Bio
Joana Gomes (1993, Porto) vive e trabalha em Berlim desde 2018. É licenciada em artes plásticas pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Em 2015 frequentou o atelier de Monika Brandmeier na Hochschule für Bildende Kunst em Dresden, ao abrigo do programa Erasmus +. Desde então desenvolve o seu trabalho artístico nas áreas do vídeo, do desenho e da escrita.
EN
Cadernos
2019
9’05”
They are rare, but there are days when i have the feeling that my cell phone knows exactly how i feel. Maybe it’s because i never stop carrying it with me. Fitting it between arm and ribs as if it were a notebook – to admire its memory. It is like a little treasure that is able to remember all the places we have strolled together.
“cadernos” is the first video-collage assembled from a personal archive that has been increasing since 2016.
Areia. Não-areia
2016
17’20”
with José Costa
“it was a time when we did not have many concepts at our disposal: to indicate what we were, what we had in common and different, was not an easy task.”
When the light brought the colors and Ayl fled in fear, Qfwfq tried to calm her with images and concepts, pointing things and non-things. He calmed her with gestures: “i started to talk, everything in gestures. “sand. Not-sand, “he said, pointing first to the surroundings, then to the two of us. (…) “i. You-not-i “. I tried to explain (…) “yes. You-as-i, but only a little”, i corrected myself.
In cosmicomics, Italo Calvino, 1968
In this passage from the story by Calvino, which named our work, we found a parallelism with the difficulty that we experienced translating ideas into words. How to verbalize the gesture, the touch and the look and at the same time to tune the thinking of two heads? What we did was taking off into discovery, searching for the wonderful looking that is beyond verbal language. We understood that when you understand things together, ideas align and your thinking works on double speed. We looked into objects and playful devices of scientific experiences, but we soon moved on, as we wanted to rediscover what we already knew; so we created our own technological apparatus, one that adjusted to the images that we had in our heads. With two overlayed lenses placed in a camera, we transformed it in a machine to see close-by, a mixture of macro and microscope lenses. We filmed our surroundings, the banal, small constructions and compositions, movements, light, color and textures. We observed reality with a new attention, the attention of four eyes and two heads. When we decided to screen the films that we collected, we thought they needed to discuss in pairs, so we used two projections side by side of the same video at different times. We showed the videos in a dark room with space sounds to confuse perception, and the images, bordering the ground between floor and wall, made people reach down, sitting and wrapping themselves in them.
“‘not-beautiful?’ i asked ‘
“‘beautiful’, she answered.”
Bio
Joana Gomes (1993, Porto) lives and works in Berlin since 2018. She has a degree in fine arts from the Faculty of Fine Arts of the University of Porto. In 2015 she attended the studio of Monika Brandmeier at the Hochschule für Bildende Kunst in Dresden, under the Erasmus + program. Since then she has developed her artistic work in the areas of video, drawing and writing.