Playlist #32 – Catarina Real / César Gomes Posted in: Playlist
Hey
2019
75′ (loop)
A bolinha de gude desce a colina correndo, como um jóquei em cima do seu cavalo.
[https://www.youtube.com/watch?v=wrnrrvspqh8]
Partindo daqui, e em primeira instância, podemos pensar que toda a questão que se levanta é, por vontade e capacidade de pensamento, humana. O homem pensa as questões por ter vontade perante o mundo, vontade essa que é expressa na sua capacidade de o pensar.
Contudo, o levantamento é uma dupla captura; trata-se afinal do movimento simultâneo da questão se levantar perante nós e de nós tornarmos vertical a própria questão, numa transição do questionamento para o ser-se humano e da humanidade para o ser-se questão. A diferença entre a questão (forma etérea), que existe na sua velocidade e que corre várias cabeças, e o nosso posicionamento perante uma questão passa então, no decorrer da comparação da bolinha de gude à parceria jóquei-cavalo, a ser uma questão diferente.
Diferentes são também a questão e a bolinha de gude apesar da sua igualdade na des_posse de uma vontade que as faça agir e no seu movimento através do simples exercício de forças gravíticas (as bolinhas de gude descem, as questões levitam). Não por oposição mas por complementaridade, a complexidade da relação de relações perante o simples exercício das forças decorreria dessa capacidade extraordinária que é pensar. É quando se desloca o ângulo, e nos tentamos ver fora de nós, também filmados descendo as nossas próprias colinas, que se põe a possibilidade: podem apenas as forças que nos fazem agir ser de diferente natureza, e assim,a nossa semelhança para com a bolinha de gude é de tal modo relevante como a semelhança do nosso sistema nervoso com o dos moluscos?
Se a complexidade é definida apenas pela também complexa rede de agenciamentos de nós para com o mundo, a capacidade de projectar possibilidades (pensar questões, colocar problemas) é-nos tão natural (conseguimos perceber hoje que nem o que é “natural”, outrora sinónimo de comum, bom e não-artificial, é um dado adquirido: desde o desenvolvimento tecnológico que se imiscui na nossa própria “natureza” – qual é a distância real de um homem com um pacemaker para um robot? Importa medi-la?) como a bolinha de gude competindo pela maior velocidade na descida da colina.
Se introduzimos no pensar-matérias a possibilidade de muitas novas matérias (ou diferentes e novos agenciamentos de umas para com as outras) nos darem novas possibilidades de pensamento, ou de, ainda a matéria humana não conhecer todas as possibilidades de movimento físico e, ao descobri-las, poder descobrir com elas novos movimentos de pensamento; podemos, por último, perguntar: porquê pensar?
Sem ilusão, ou véu sequer, perante essa derradeira pergunta o movimento aqui operado foi, por fim, absolutamente análogo à bolinha de gude descendo a colina. Não teríamos como não. Porque nos foi – talvez não necessário, mas naturalmente obrigatório (esta obrigatoriedade – que talvez seja sinónimo de vontade própria – vem do facto de estarmos condicionados não só pela matéria que somos mas pela colina que percorremos, no nosso entre autómatos e seres-de-vontades) percorrer este caminho.
biografia
Catarina Real (Barcelos, Portugal, 1992) e César Gomes (Belém, Brasil, 1985) apresentam-se como uma dupla de pessoas interessadas em limbos, afinidades interdisciplinares e com apreço semelhante por matérias várias. Estão a preparar uma outra colaboração para a revista bestiário #2.
http://cargocollective.com/catarinareal
ENG
Hey
2019
75′ (loop)
the marbles run down the hill, like a jockey on his horse.
[https://www.youtube.com/watch?v=wrnrrvspqh8]
Starting here, and in the first instance, we can think that every question that arises does so by human will and capacity for thought. Man thinks questions by having a will before the world, which is expressed in his ability to think.
However, such arising is a double capture; after all, it is the subject of the simultaneous movement of the question to rise before us, and of us making the question itself vertical, in a transition from questioning as being human and of humanity to being question. The difference between the question (ethereal form), which exists in its own speed and which runs through several heads, and our positioning before an issue, then passes, in the course of comparing the marbles to the jockey-horse partnership, to be a different matter.
The question and the marbles are also different, in spite of their equality in the dis_possession of a will that causes them to act and in their movement through the simple exercise of gravitational forces (marbles descend, questions levitate). The complexity of the relation of relations before the simple exercise of forces would derive from the extraordinary capacity that is to think, not by opposition but by complementarity.
It is when the angle is shifted, and we try to see ourselves outside of ourselves, also filmed going down our own hills, that the possibility is posed: can it be that only the forces that make us act may be of a different nature, and thus our resemblance to the marble is as relevant as the resemblance of our nervous system to that of mollusks?
If complexity is defined only by the complex network of assemblages of ourselves towards the world, the ability to project possibilities (to think questions, to pose problems) is so natural to us (we can perceive today that neither what is “natural”, once synonymous with common, good and non-artificial, is taken for granted: from the technological development that imbues itself with our own “nature” – what is the real distance of a man with a pacemaker for a robot? is it important to measure it?) as the marbles competing for the greater speed down the hill.
If we introduce into thinking-matters the possibility that many new subjects (or different and new assemblages of one another) give us new possibilities of thought, or that human matter still does not know all the possibilities of physical movement, and in discovering them, being able to discover with them new movements of thought; we can finally ask: why think?
Without illusion, or at least a veil, in the face of this last question, the movement that has been operated here was, at last, absolutely analogous to the marbles down the hill. we would not have otherwise. Because it was – perhaps not necessary, but of course obligatory (this obligation – which may be synonymous with our own will – comes from the fact that we are conditioned not only by the matter we are but by the hill we cross, in our in between automatons and willing-beings) to go down this route.
bio
Catarina Real (Barcelos, pt, 1992) and César Gomes (Belém, br, 1985) present themselves as a pair of people interested in limbos, interdisciplinary affinities and with similar appreciation for various subjects. they are preparing another collaboration for bestiário #2 magazine.
http://cargocollective.com/catarinareal